4 filmes de 2017 para quem gosta de pensar

1. Bingo: O Rei das Manhãs

Esqueça Pennywise. Stephen King pode até ser bom de susto, mas Bingo: O Rei das Manhãs foi fácil o melhor palhaço na tela dos cinemas em 2017. O protagonista é Augusto Mendes, um arrogante ator de pornô água com açúcar que percorre os estúdios de TV paulistanos em busca de um papel que considere à altura de seu talento. Após alguns bicos decepcionantes em novelas de baixo orçamento, passa em um teste e se torna o palhaço Bingo, apresentador da versão brasileira de um programa de auditório infantil popular nos EUA. O potencial para o sucesso é imenso, mas há uma condição: ele não pode, em hipótese alguma, revelar sua identidade real. Uma vez Bingo, para sempre Bingo.

O resultado? Uma vida pessoal conturbada nos bastidores, cheia de prostitutas, cocaína, problemas familiares e, é claro, dificuldade para lidar com o anonimato compulsório. O personagem, interpretado por Vladimir Brichta, é baseado na vida de Arlindo Barreto, que entre 1984 e 1986 viveu o palhaço Bozo. A mudança de nome ocorreu para evitar problemas legais. Quanto à história digna de Axl Rose, bem… essa é mais realidade que ficção.

O filme funciona por vários motivos. Um deles, sem dúvida, é a forma como brinca com o imaginário de quem viveu em uma metrópole brasileira na década de 1980. Carros coloridos, trilha sonora new wave, placas de neon para dar e vender e, é claro, o próprio Bingo, que foi uma das presenças mais marcantes das crianças de sua geração. É padrão Stranger Things de nostalgia. Outro é a interpretação genial de Vladimir Brichta – seu desafiador  junkie anti-herói atingiu o equilíbrio perfeito entre drama e humor, e deu um jeito novo de contar uma velha história de fama e decadência.

2. Blade Runner 2049

OK, teve menos Harrison Ford que o combinado – pelo menos se você, como eu, ficou esperançoso quando viu a cara do veterano tão grande no pôster. Mas a versão 2.0 do clássico cult Blade Runner fez jus ao original – uma tarefa difícil considerando seu status quase religioso. Ryan Gosling, tão fleumático que beira o inexpressivo, não podia ter se dado melhor na pele de um replicante. E o diretor Denis Villeneuve, responsável por A Chegada em 2016, não poderia ter feito um combo melhor de filmes de ficção científica cabeçudos.

Resumir a trama não é brincadeira, mas não custa tentar: K (Ryan Gosling) é um replicante – isto é, um ser humano sintético, criado em laboratório, que leva o nome de uma letra típico dos personagens do escritor Franz Kafka. Ele é contratado pela polícia, e sua missão é caçar e matar replicantes de versões mais antigas, que precisam ser “aposentados”. No tempo livre, seu único prazer é Joi (Ana de Armas) – uma namorada virtual holográfica, que é programada para agradar seu “dono”, mas parece ter consciência e sentimentos. Um toque distópico sem preço.

A trama começa quando ele é enviado para investigar o paradeiro uma criança, filha de uma replicante de modelo mais antigo que engravidou – mesmo que, em princípio, replicantes não possam ter filhos. Daqui em diante, tudo é spoiler. No que foi fiel ao filme de Ridley Scott, 2049 foi um sucesso. No que trouxe de novo, também. 2049 não responde às perguntas do original, e funciona igualmente bem para novatos e fãs de longa data. Vale cada neurônio queimado.

3. Corra!

A família de Rose (Allison Williams) não tem, em princípio, nada de racista: “eu teria votado em Obama para o terceiro mandato, se pudesse”, insiste seu pai, tão branco quanto a filha. É por isso que o jovem fotógrafo Chris (Daniel Kaluuya), seu namorado, não fica nervoso além da conta no dia mais fatídico de todo relacionamento sério: o primeiro encontro com os sogros. Ele é um rapaz negro, e é a própria definição de gente fina. Se a pele não importa, o que pode dar errado?

Bem… Tudo. E com toques sobrenaturais. Corra! é um filme com QI para dar e vender: sua casca é de filme de terror, do tipo que não se leva muito a sério. Mas só ri (de nervoso) quem é branco. Se você for negro, provavelmente verá no filme uma versão satirizada do próprio dia a dia – tentando conviver não só com os brancos que são abertamente racistas, mas também com os que afirmam categoricamente não ser. Quem resume é o diretor Jordan Peele, também negro, no Twitter: “Get Out é um documentário.”

Se vale uma dica, não veja o trailer antes de ir para o filme: ele está fervilhando de spoilers.

4. Mãe!

Mãe! é outro filme da série “parece terror mas não é”. Tudo começa em uma casa escura. Um homem (Javier Bardem) põe um objeto de cristal em um pedestal, e a construção se torna progressivamente mais viva e colorida, como se tivesse passado por uma reforma. Na cama, aparece uma mulher deitada (Jennifer Lawrence). Estranho? Calma, ainda está razoavelmente normal.

A personagem de Lawrence – que, tudo leva a crer, é a mãe do título – não tem filhos, mas é tão devotada à casa quanto uma mulher pode ser. Ama o homem, que descobrimos ser seu marido e poeta de profissão. Eles vivem uma vida pacífica no meio do nada, até que, um belo dia, um estranho bate na porta. A mulher fica receosa, mas o homem o recebe cordialmente, e permite que ele passe a noite ali. No dia seguinte chega uma mulher, esposa do visitante. Depois, um rapaz, filho dos visitantes. Do jeitinho que é narrado ao longo do parágrafo: sem aviso prévio, sem maiores explicações, em um lugar desconhecido em que ninguém tem nome ou RG.

Desse ponto em diante, fica difícil evitar os spoilers. Mas relatar os acontecimentos da forma como eles alcançam nossos olhos não seria revelador. Mãe! é uma alegoria ousada, que não tem medo de ser feliz (nem ambiciosa), e exige interpretação. Ninguém sai exatamente satisfeito do cinema – o efeito é o de ter consumido uma obra de arte disfarçada de blockbuster. Filme para quem gosta de bater um papo de duas horas depois que a tela se apaga.

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